Sobre as Festas da Agonia - ENSAIOS V

de: Alberto Antunes de ABREU

   
           
     
Excertos

A arte dos cartazes



O cartaz (ou poster) é um elemento visual de grandes dimensões (superiores às da folha volante, e hoje suplantadas pelas do rnupi e pelo outdoor) destinado a uma função teoricamente informativa, mas efectivamente apelativa, tal como sucede com a publicidade. Acumulou, portanto, as funções de promover e anunciar3 a data da romaria. Tendo perdido desde cedo os atractivos do inesperado e do imprevisto, acabou por se “entropizar”4 na mera informação cronológica (“A quantos de Agosto calham as festas este ano?”), função que se tornou importante a partir do momento em que a Secretaria de Estado da Informação e Turismo procurou localizar a festa num tríduo de fim de semana próximo do dia 20 de Agosto (data da festa litúrgica de Nossa Senhora da Agonia). A promoção da festa tem como alvo principalmente os forasteiros potenciais e por isso a mensagem se foi cristalizando progressivamente em torno do que se julgou ser o mais original e mais belo da cidade — o traje feminino dos camponeses locais.


Desde cedo se percebeu que fazer um cartaz não podia ser tarefa de amadores. Antes mesmo de António Ferro, à frente do S.P.N. (depois S.N.I.), ter sabido inteligentemente trazer as artes gráficas para o serviço da política, o primeiro cartaz (1912) e o de 1914 foram encomendados a um artista vianense da geração modernista, que mais tarde viria a aplicar a partir de Viana do Castelo a política de propaganda que Ferro dirigiria nos começos do Estado Novo. Depois dele, sabemos que os cartazes de 1934, 1943 e 1948 foram pintados por Luís Filipe (1887-1949); que os cartazes de 1936 e um dos de l955 foram de Maria Manuela Couto Viana (1919-1983); que os cartazes de 1940 e 1950 são da autoria de Carolino Ramos (1897-1961); o cartaz de 1953 reproduz uma aguarela de Alberto Sousa de 1935; um artista que parece ter assinado “Paolo’ pintou o cartaz de 1954; Carlos Carneiro (1909-1971) o de 1955; Joaquim Lopes (n.1886) o de 1956, ano em que faleceu; a Jaime Isidoro (n.1924) se deve o cartaz de 1957. Segue-se depois o período dos fotógrafos, só interrompido em 1971, quando do cartaz foi incumbido Juvenal Ramos (n. 1927) e em 1986, quando se resolveu fazer um concurso entre os pintores vianenses e o certame foi ganho por Aníbal Alcino (n. 1926). Depois foram os referidos períodos de 1990 a 1993, em que os cartazes foram pintados por Araújo Soares, Hélder (assina “Élder”) Carvalho, Mário Emílio e Rui Pinto, de 1994 a 1997.


Os fotógrafos que trabalharam para os cartazes das festas foram:
António Sousa (durante 19 anos seguidos, de 1959 a 1967); João Roriz (1968, 1970, 1983); os Estúdios Tavares da Fonseca realizaram as montagens de 1969 e 1984; Manuel Fontes fotografou os de 1972 a 1975; Joaquim Roriz (1976); (Gualberto Boa-Morte fotografou os cartazes de 1979, 1980, 1985, 1987, 1998 e 2005; Félix Iglésias Llano fotografou os cartazes de 1981 e 1989; Manuel Correia o de 1982; Vítor Roriz os de 1988, 1989 e 2002; Arménio Belo fotografou o cartaz de 2000; a empresa X77 realizou os cartazes de 2001 e 2003 e Rui Carvalho os de 2004 e 2006. Houve, portanto, depois do período António Sonsa, a preocupação de diversificar encomendas e dar trabalho artístico a todos (ou quase todos) os fotógrafos da cidade.


Mas, dum modo geral, a qualidade baixou quando se passou da pintura para a fotografia, com algumas excepções de que me permito destacar a força do cartaz de 1980 que reproduz uma revista de gigantones e cabeçudos na Praça. Muitas vezes parece que foram razões técnicas que traíram as expectativas dos artistas, como sucedeu nos casos de 1963, 1999 e 2001 que saíram com falhas de iluminação. Mas na maior parte dos casos foi a selecção iconográfica (fortemente dependente da ideologia, das obsessões ou da moda) que condicionou os artistas, O prestígio do Grupo Folclórico de Santa Marta de Portuzelo levou à escolha de motivos santamartenses para os cartazes de 1959, 1960, 1963 e 1972 e a quase obsessão pelo respectivo traje. E idêntica teria sido a razão para a representação dos cestos de Vila Franca. A preocupação de apresentar vários motivos duma só vez conduziu à realização de montagens raramente felizes: a montagem de 1969 em que a lavradeira parece sentada sobre a copa dos pinheiros; a de 1970 que induz em erro, pois parece representar um caminho a meia encosta de Santa Luzia que realmente não existe. Ressalve-se a honestidade dos cartazes de 1974 e 1975 que assumiram com clareza serem duas fotografias, e a montagem feliz de 1985, de Gualberto Boa-Morte. Noutros casos, atingiu-se uma tal acumulação de pequenos tópicos e temas, que se andou perto do kitsch.


Quando David Rodrigues escreveu a bela introdução que fez para o catálogo de 1988, ainda pôde dizer que as composições dos cartazes apresentavam, dum modo gera], um “ar festivo, álacre e polícromo”. Mas também a vontade de variar e/ou a preocupação de originalidade levou à escolha de trajes sombrios como o “de meia-senhora” de 1988 e mesmo cenários nocturnos como os de 2000 e 2001, que ficaram bem longe da alegria juvenil de 1985.  


3  M, Sousa, in Cartazes 1988.
4  D. Rodrigues citando Gillo Dorfles in Cartazes 1988
.

 
 
     
Voltar