Ora di djunta mon tchiga - é a hora de darmos as mãos

de: José Luis Carvalhido da PONTE

   
           
     
Excertos

        na praia Varela


São quase dez da manhã.
Um enorme sol nos aquece
e o mar banha,
num vai-vém sereno,
as negras areias
da praia Varela.
Da floresta ao lado,
vêm a mim os ralos e os grilos,
numa sinfonia estranha
de harmónicos trilos.
Mais incerto,
no meu interior deserto,
um oceano de sons
flui
no voo fogoso
de aves exóticas.
E um imenso cheiro de África
me possui,
inebriante e ameno,
como um vinho generoso


Dois katchu-kaleron,
num erótico bailado de fogo,
ensaiam um ritual solidário
e das esguias palmeiras
pendem os ninhos
em cachos de intenso cio.
E uns-alguns,
ensimesmados na fome,
passam, lá fora,
na outra margem de mim,
e na indecisa magreza do nome,
arrastam a impossibilidade da Hora,
amarga e sem fim.


 


    há tão lindas mulheres em Cacheu!


Há tão lindas mulheres em Cacheu!
São manjacas, felupes e balantas
e tantas outras-tantas!


Passeiam, sem limites,
os ventres e os seios,
semi-desnudas,
e gingam as coxas
num sorriso de apetites.


Bom dia, zé!


(Meu Deus!)


Bom dia!



    é quase noite


Nos intensos sons da tarde
perturbam-me longínquos afectos.
Que faço em África?
Que construo?
Construo?!


Como me desacerta
tudo o que faço.
Passo a passo
caminho um caminho de dúvidas.
Sinto-me perdido.
Aguardo
uma qualquer porta aberta
que me permita sair
desta necessidade
de arcar tarefas impossíveis.


Mas os olhos das crianças
não me deixam.
Mas os omi garandis
de todas as moransas
erguem-me as mãos.


E eu que não sou Deus!
E eu árido de respostas!
E eu vazio de verdades!
E eu que apenas sou África
nos entretantos das minhas
comodidades!


É quase noite
nos intensos sons da tarde
onde arde
a dislalia dos meus afectos.   


 

 
 
     
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