e nasceu a poesia
Procurei-te por todas as ruas da cidade. Da minha cidade. Da nossa cidade. E ninguém me falou de ti.
Luziam nas casas os outros e os panos, as fantasias e as bugigangas, mas em nenhuma te sabiam.
As pedras construíam pedras, as árvores bailavam árvores, mas nenhuma te lembrava.
Até o sol só ardia. Até a água só fluía. Porque tu não estavas.
Parei. Já não havia a nossa cidade. A minha cidade era. A tua cidade era. A Nossa não, que te não encontrei.
E sorvi todos os bares na íntima ânsia de diluir esta intensa ausência.
Foi então que te vi. Sozinhinha e triste, sozinhinha e nua, estavas acenando, anichada
cá dentro, no fundo areal, antes de Tudo,l no limiar onde as palavras se constroem, entre o silêncio e a loucura.
Estavas bonita. Frágil. Só. Beijei-te. Com carinho te acariciei, Eurídice. Com palavras novas tangi minha lira
e nasceu a poesia.
tomou-me um farto cansaço
Tomou-me um forte cansaço. Quero dormir. Só. Quero um tempo para além de mim. Caíram, sozinhos, todos os sonhos de todas as roseiras e lacrima, impotente, o despido jardim.
E as palavras que se não dizem, saltam ressequidas de suas conchas imperfeitas no limiar fugidio de todas as praias percorridas. E o cansaço avança e me adormece e se insinuam credos de escuras seitas com rituais de um deus planetário.
E fujo. Vou indagar nas arestas da dor, a possibilidade de um sol na nascente da vida onde, eterno, durma o Amor.
Talvez aí descanse. Talvez aí entenda a morte. Talvez aí justifique este percurso que não sei ou o que quero dizer.
a inocente dormia
A inocente dormia, alheia aos sabores, quando sob a janela uma incandescência de sílabas vorazes entumescia Romeu de impossíveis amores e da madrugada mais imatura brotavam as promessas audazes.
Sob os afagos da mãe a inocente dormia. Mas Romeu também.
fernando do bolhão
pedra sobre pedra construíste loquazes clautros de palavras azuis
sílaba sobre sílaba invadiste com rubros fonemas a pacata violência dos paúis
e ouviram-te os peixes.
|