Variações em Sílaba Aberta

de: José Luis Carvalhido da PONTE

   
           
     
Excertos


e nasceu a poesia



Procurei-te por todas as ruas da cidade.
Da minha cidade. Da nossa cidade.
E ninguém me falou de ti.


Luziam nas casas os outros e os panos,
as fantasias e as bugigangas,
mas em nenhuma te sabiam.


As pedras construíam pedras,
as árvores bailavam árvores,
mas nenhuma te lembrava.


Até o sol só ardia.
Até a água só fluía.
Porque tu não estavas.


Parei. Já não havia a nossa cidade.
A minha cidade era. A tua cidade era.
A Nossa não, que te não encontrei.


E sorvi todos os bares
na íntima ânsia de diluir
esta intensa ausência.


Foi então que te vi.
Sozinhinha e triste, sozinhinha e nua,
estavas acenando, anichada


cá dentro, no fundo areal, antes de Tudo,l
no limiar onde as palavras se constroem,
entre o silêncio e a loucura.


Estavas bonita. Frágil. Só. Beijei-te.
Com carinho te acariciei, Eurídice.
Com palavras novas tangi minha lira


e nasceu a poesia.


 


 


tomou-me um farto cansaço


Tomou-me um forte cansaço.
Quero dormir. Só.
Quero um tempo para além de mim.
Caíram, sozinhos, todos os sonhos
de todas as roseiras
e lacrima, impotente, o despido jardim.


E as palavras que se não dizem,
saltam ressequidas
de suas conchas imperfeitas
no limiar fugidio
de todas as praias percorridas.
E o cansaço avança e me adormece
e se insinuam credos de escuras seitas
com rituais de um deus planetário.


E fujo.
Vou indagar nas arestas da dor,
a possibilidade de um sol
na nascente da vida
onde, eterno, durma o Amor.


Talvez aí descanse.
Talvez aí entenda a morte.
Talvez aí justifique este percurso
que não sei
ou o que quero dizer.


 


a inocente dormia


A inocente dormia,
alheia aos sabores,
quando sob a janela
uma incandescência
de sílabas vorazes
entumescia Romeu
de impossíveis amores
e da madrugada mais imatura
brotavam as promessas audazes.


Sob os afagos da mãe
a inocente dormia.
Mas Romeu também.



 


fernando do bolhão


pedra sobre pedra
construíste loquazes clautros
de palavras azuis


sílaba sobre sílaba
invadiste com rubros fonemas
a pacata violência dos paúis


e ouviram-te os peixes.


 

 
 
     
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