Cronogramas

de: José Luis Carvalhido da PONTE

   
           
     
Excertos

Antes de ...


 


Antes de Cronos partiram-se todos os espelhos. E foi o Princípio. De então para cá o Homem tem buscado, aqui e ali, bocados da sua memória numa sobrevivente necessidade de encontrar o seu passado colectivo. Para ser feliz. Para construir um futuro, mais feliz ainda, no plural dos indivíduos.


Um dia, quando todos os pedaços coloridos do nosso painel-memória forem saboreados e entendermos a sua relação, voltará a totalizar-se o espelho. Na banda de lá, na outra margem do mosaico, na margem da ilusão ( ou do real?!) ver-nos-emos. Todos. Inteiros. Iniciais. No plural do espelho partido acharemos a nossa individualidade. Nas sementes do passado perceberemos as raízes do futuro. Só então nos encontraremos. E seremos felizes. Porque seremos. Narcisos de uma e outra banda. Deuses. (1988)


 


              


                            SENHOR DE CRONOS


Foge, irrecuperável, o tempo.
Eu fico.
Ficarei.
Aqui.
Mas espero-te além das Horas
onde nos amaremos
quebradas todas as clepsidras.


Depois do cio
serás sémen
depois do sémen poesia
e contigo dominarei,
senhor de cronos.
                        (1988)



SEI-ME


Sei-me
no recordar dos tempos que foram
no reler das históprias conjubtas
no reamar das horas sozinhas.


Sei-me
como quem se lê
nas palavras devassadas
do onanismo colectivo.


Sei-me no fecundar das ideias Todas
no orgasmo das imagens tutelares
na cópula infecunda das minhas dissertações.


Sei-me.
                           (1987)


 


SE EU PUDESSE


Se eu pudesse
mandava quebrar todos os relógios
e decretava que o tempo parasse
e os homens fossem
sem que tivessem de ser
no impossível instante.


Se eu pudesse
proibia as margens
anulava os condicionais
e os ses e os mas e os todavias
e tudo
e mandava que castradores não castrassem
e os policiais não policiassem.


Se eu pudesse
havia de não Poder
e de não Proibir
e de não Decretar
e de não Mandar.


Se eu pudesse
havia só de Viver.
                         (1988)


 


OS DEUSES NOS DERAM UM PERCURSO


 


Os deuses nos deram, um percurso,
este,
que, sozinhos ou de mãos dadas
( se possível de mãos dadas),
importa percorrer.


Os deuses nos deram o veneno de um percurso,
este,
que disseram livre,
entre margens e condições.
Assim nos contentaram
e se contentaram de haverem criado
imagens e semelhanças das suas sombras prescritas.


Os deuses nos deram, um percurso,
este,
com a proscrita mensagem
de, por ele, chegarmos a leles.


E se nós os buscamos
quando nos buscamos!


Caminhemos, pois, se esse é o fado,
mas tão só nós, inteiros,
nunca cordeiros de sacrifício.
Cumpramos o percurso que tem de cumprir-se,
fitos os olhos na eterna fluidez do momento!
- Não nos deram o futuro e já perdemos o passado.
Só o agora vale, o já.
Tudo o resto é devir.
                              (1994)


 


 RE-MAR ADENTRO


Já nos contaram todas as histórias
e falaram de todos os poetas
e até nos embebedaram
com licores de Ásias e Calecutes.


Já nos disseram todos os exércitos
e mostraram todas as guerras ganhas
e cruzes e padrões levantados
para que Deus e o Rei
fossem adorados
por gentes tantas e estranhas.


Mas não re-contaram.


Urge re-dizer velhas ladainhas.
importa re-tomar caminhos
de novo ignaros.


Urge re-mar adentro de
e re-conquistar!
                          (1988)



DEPOIS DE ...


Vimos do nada, não! Vimos
de outro, de outros. Somos
nós e os que connosco são. E
somos também, os que
foram. Também, não: acima
de tudo. Desde o primeiro
'big-bang' o artista nos vem
moldando


 

 
 
     
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