Arquitectura Religiosa do Alto MInho I - Século XII a Século XVII

de: Lourenço ALVES

   
           
     
Excertos
“1- MANIFESTAÇÕES DA ARTE VISIGÓTICA Quem se debruçar com alguma atenção sobre a arquitectura do Ocidente, verifica que se abre uma lacuna entre a arte romana que prevaleceu, de forma mais ou menos acentuada, até à invasão dos bárbaros, no início do século V, e a explosão do românico, nos fins do século XI. Convencionou-se chamar a este período da história Alta Idade Média. É uma época de crise profunda e constante, que atinge as instituições políticas, económicas, sociais e religiosas. A decadência do império romano do ocidente inicia-se com o baixo império em que militares da província disputam a chefia do exército e dos mais altos cargos da corte imperial, os deuses coloniais alinham no Panteão lado a lado com os da mitologia clássica, os costumes se ruralizam, a cultura afasta-se das cidades, o cristianismo vai ganhando adeptos, sobretudo nos meios urbanos e os bárbaros, rompendo as fronteiras, se vão instalando na administração e no exército. Na Península Ibérica, como aliás em todas as províncias do Império, a situação é idêntica. Com a invasão dos bárbaros, sobretudo, ostrogodos, visigodos, suevos e francos, a situação agrava-se ainda mais até ao desmantelamento total das estruturas do império, iniciando-se então um processo de transformação e de recuperação que levará muitos anos até atingir alguma estabilidade. Dos bárbaros que se abateram sobre o império romano do ocidente, apenas nos interessam os suevos e os visigodos: os primeiros, por se terem fixado nesta região onde vivemos, formando um reino poderoso com a capital em Braga, que durou cerca de 150 anos; os segundos, porque estando instalados no resto da Península, passaram a dominar esta região, a partir de 585, pela derrota do suevos. Neste confronto entre hispano-romanos e bárbaros não houve vencedores nem vencidos, porque se os primeiros foram dominados pelas armas, estes venceram os bárbaros pela cultura. Daí que as formas culturais dos suevos e visigodos tenham encontrado na cultura hispano-romana o seu principal suporte. O que a princípio foi julgado uma verdadeira calamidade, depressa se transformou num motivo de esperança, de paz e de progresso. Razão tinha Hidácio de Chaves, contemporâneo destes acontecimentos, ao declarar que o bárbaro cedo trocou a espada pelo arado. No princípio do século VIII, a Península foi de novo abalada por outra invasão que transformou por completo a organização do decadente império visigótico apoiado no princípio: «una Lex – unum Rex». Esta região do Alto Minho, embora atingida pelo flagelo do invasor muçulmano, não sentiu demasiado a sua influência, talvez pela sua passagem um tanto meteórica, talvez pela rapidez com que se processou nesta zona a reconquista. O ermamento, se chegou a dar-se como pretendem alguns historiadores de renome, não terá ultrapassado os muros dos poucos e decadentes centros urbanos. A organização eclesiástica, revelada pelo Censual da Sé de Braga do século XI, constitui prova assaz concludente de que a invasão da mourama não teria provocado grande quebra no espírito religioso, sobretudo nos meios rurais. Por outro lado, a hagiotoponímia das paróquias após a reconquista era sensivelmente a mesma do período visigótico, como bem demonstrou Pierre David, prova de que, com a ocupação árabe, não se esvaiu da memória do povo a igreja onde se reunia para rezar, com o seu baptistério, o seu cemitério e, sobretudo, o seu padroeiro. Mas se é relativamente fácil aduzir argumentos para demonstrar esta permanência do culto cristão, nesta região, durante a ocupação árabe e no período da reconquista, não é tão fácil detectar quaisquer vestígios de construções religiosas, quer paroquiais, quer particulares ou cenobíticas. Seriam construções de materiais pouco duráveis? Teriam sido destruídas no período românico para as reconstruir segundo a nova moda? Aarão de Lacerda admite esta hipótese. Seja como for, torna-se difícil, senão impossível, admitir que o culto cristão tivesse prevalecido durante este período sem templos. Até porque, segundo rezam as crónicas da reconquista, o reis e os presores, conforme iam ganhando terreno ao inimigo, proviam à organização económica e religiosa das populações. Convém advertir que no resto da Galiza também não são muito numerosos os restos de monumentos asturianos e moçárabes. E sendo esta região bastante pobre, na época em referência, a falta de monumentos leva-nos a concluir pela fragilidade dos materiais com que eram construídos, não resistindo à acção destruidora do tempo. Se não é fácil encontrar restos de construções pré-românicas dos períodos asturiano e moçárabe, nesta região, o mesmo não se pode dizer em relação ao período suévico-visigótico. Quando se fala de arte suévico-visigótica, necessariamente se deve abordar o intrincado problema da cristianização da Galécia que abrangia toda a região entre o rio Douro e o mar Cantábrico. Embora haja indícios seguros da existência de cristãos nesta região, durante o Baixo Império, pelos relatos do martirológio, nem por isso nos sentimos avalizados para afirmar a institucionalização do cristianismo em dioceses, paróquias e conventos, antes do século IV. O primeiro documento que nos relata concretamente a existência de dioceses e paróquias nesta zona é a «Divisio Theodomiri» ou «Parochiale Suevum». No ano de 569, o rei suevo Teodomiro, convertido à fé cristã por S. Martinho de Dume, convocou um concílio para Lugo, no qual solicitou aos bispos do seu reino uma reorganização da estrutura eclesiástica mais consentânea com os novos condicionalismos. Julgava o rei suevo que as dioceses eram demasiado extensas e que se tornava necessário desmembrá-las, criando também novas paróquias. Desta diligência surgiu o célebre documento, julgado autêntico por Pierre David. Neste documento aparece a Sé de Tuy, abrangendo já esta região do Alto Minho, da qual vem mencionada a paróquia rural «pagus ovinia» que alguns historiadores identificam com a actual Senhora da Vinha de Areosa, nas imediações de Viana do Castelo. Esta lista de igrejas paroquiais revela-nos um processo de formação e organização eclesiástica a partir dos castros, à volta dos quais se foram incrustando povoações que deram origem às vilas e paróquias. Sendo assim, pode-se aventar a hipótese da descida dos habitantes da Citânia de Santa Luzia em direcção à veiga, no sentido oeste, pois a paróquia de Ovínia é a primeira mencionada na periferia da citânia. Dado o número reduzido de igrejas relatado pelo «Parochiale Suevem», somos induzidos a pensar que haveria mais igrejas, talvez de índole particular. Isto se depreende das actas do II Concílio de Braga, em 572, que proibia aos bispos de benzer igrejas particulares. Diaz y Diaz é de opinião que a zona onde a organização eclesiástica se mostrava mais activa era a compreendida entre os rios Douro e Minho. Um dos bispos que mais contribuiu para a cristianização desta região foi S. Martinho de Dume. No período visigótico, S. Frutuoso exerceu uma acção missionária de grande envergadura não só entre as populações rurais, mas também pelo fomento da vida monástica, construindo conventos e provendo-os com uma regra inovadora e actualizada. Esta organização eclesiástica exigia necessariamente a construção de igrejas para o exercício do culto, segundo os modelos daquela época. No período suévico, adoptaram-se formas tardoromanas, paleocristãs e proto-históricas, sobretudo como elementos decorativos. A arte visigótica já é um pouco mais complicada. Geralmente adoptou paramentos de pedra talhada, arco em ferradura, abóbadas e estrutura cruciforme. Detectam-se nela influências tardoromanas, bizantinas, africanas e indígenas, sobretudo nesta região dos castros. Consultando um mapa das localidades onde existem igrejas visigóticas, verifica-se que, nesta região do Noroeste, onde prevaleceu a cultura castreja, há duas do lado de Portugal (S. Frutuoso de Montélios e S. Pedro de Balsemão) e uma do lado espanhol (Santa Comba de Bande, perto de Orense). Ora, a acreditar em Diaz y Diaz, nesta região entre Douro e Minho, deveria haver um grande número de igrejas visigóticas, embora se conheçam poucos vestígios, até agora. Que se saiba, nesta região do Alto Minho, existem alguns capitéis no Museu de Viana do Castelo, oriundos da freguesia de Vila Mou do mesmo concelho. Quando se procedia a obras de restauro da igreja paroquial, em 1892, encontraram-se estes capitéis juntamente com outras pedras da mesma época que o Dr. Figueiredo da Guerra recolheu no Museu da cidade. Estes capitéis foram estudados e descritos por J. Rosa de Araújo, numa comunicação ao Colóquio Bracarense de Estudos Suévico-Bizantinos, em 1960. Como estes restos, outros haverá por aí, inseridos no aparelho das paredes de muitas igrejas, à espera de uma oportunidade, se já não foram desfeitos em rebos para tapar buracos!”
 
 
     
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