Mosteiro de Vitorino das Donas do século XI ao Século XV

de: António Matos REIS

   
           
     
Excertos
“1- PRIMEIRAS NOTÍCIAS 1.1- As origens Localizava-se o mosteiro de Vitorino das Donas na margem sul do rio Lima, a dúzia e meia de quilómetros do oceano, no sítio onde se ergue a igreja paroquial da freguesia do mesmo nome, com os edifícios circundantes, cujas paredes serão ainda, em grande parte, as do antigo convento. Entre os seis mosteiros femininos que na Idade Média existiram no Alto Minho, o de S. Salvador de Vitorino, que por tal motivo se ficou a chamar “das Donas” (“Donas” eram as religiosas), foi o único que conseguiu sobreviver para além do século XV. A primeira referência histórica a Vitorino das Donas data provavelmente de 915: Ordonho II doa à Sé de Lugo “eclesias que sunt inter Catavo et Limia id este Crespellus et Vulturinus”. Há outro Vitorino (V. de Piães) na vertente oposta do mesmo monte, chamado da Facha, sendo possível que até certo momento da alta Idade Média, Vitorino designasse uma região mais vasta, onde se incluiria o território das duas freguesias. Em 915 não existe ainda o mosteiro de Vitorino, pois que, fazendo-se no mesmo documento expressa doação do mosteiro de Labruja, se o de Vitorino existisse, não deixaria de ser designado do mesmo modo, ao referir-se uma igreja que nele estaria incluída. Na doação da vila de Correlhã feita por Fernando I, o Magno, à Sé de Compostela, em Janeiro de 1061, os limites da referida vila passam “per terminos de Vulturino”. O “Censual de Entre Lima e Ave”, cuja elaboração é colocada entre 1085 e 1091, embora se não refira claramente ao mosteiro, refere a Vitorino um tipo de prestação que, por regra, competia a estas instituições: “De Vulturino jantar. n”. Em data que não é viável precisar, D. Afonso Henriques coutou ao mosteiro de Vitorino as terras situadas à volta da ermida de Nossa Senhora do Azevedo, ou seja, da Cabração. Por volta de 1138-1145, já os direitos sobre o mosteiro se tinham dividido, de tal modo que é apenas a nona parte dos direitos sobre o mesmo que Pedro Pais doa à Sé de Braga, em troca de outras concessões: “nonam quoque de monasteria de Vulturino quod est in Ripa Lima”. Décadas volvidas, em Março de 1192, Rodrigo, Vasco, Mendo e Elvira Sanches fazem a partilha dos bens que herdaram dos pais: Rodrigo fica “na quinta do couto de Vuturio e na quinta do padroadigo dessa eygreyga en todous herdamentus de couto e de fora de couto”. 1.2- De 1207 a 1383 Em 1207 levanta-se uma querela entre a abadessa de Vitorino das Donas e o celeireiro do concelho de Ponte de Lima, por causa da intromissão deste no couto da Cabração. O processo judicial levou à inquirição de testemunhas sobre a realidade e os limites do couto, dando como resultado o primeiro “privilégio” escrito em que o mesmo ficou documentado e bem útil iria ser em futura querela. Em 1220, na inquirição de Vitorino das Donas, não se refere expressamente o mosteiro mas sim a igreja de Vitorino como proprietária de vários casais na própria freguesia (11 e ½) e outras (2 em Barco, 5 em Santa Marinha e 1 em Santa Maria de Geraz). As inquirições de 1258 fornecem apenas o nome da abadessa: D. Teresa. É o único nome de abadessa a reter, em relação a este período, já que não há segurança nas informações da Benedictina Lusitana, segundo a qual a mais antiga abadessa conhecida se chamaria D. Sancha e o seu nome viria no documento relativo ao couto da Cabração, onde constatamos que não figura, e lhe teria sucedido D. Aldonça Garcia. Uma “carta de pura venda” de propriedades entre particulares, de 10 de Novembro de 1303, tem como testemunhas Domingos Anes, capelão do mosteiro de Vitorino, além de Mauro Esteves “fralle do mosteiro de S.a Maria de Vale de Pereiras” (freguesia de Santa Marinha de Arcozelo, em frente à vila de Ponte de Lima). Segundo o “Catálogo das Igrejas” de 1320-1321, paga uma “dízima” de 100 libras, para a guerra contra os mouros, conforme a concessão que D. Dinis obteve da Sé Apostólica. Da história do mosteiro de Vitorino durante este período possuímos também a informação do Livro de Linhagens do Deão de que no começos do século XIV era aí abadessa Beatriz Martins, enquanto sua irmã Alda Martins ocupava idêntico cargo no mosteiro de Semide. O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro inverte o nome dos mosteiros a que estas descendentes dos Redondos estariam ligadas: Alda Martins como abadessa de Vitorino e Beatriz como abadessa de Semide. Em relação ao século XIV, pode igualmente inserir-se aqui outra informação do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro sobre uma ex-religiosa de Vitorino: “Gonçalo Pirez Velho... foy casado com D. Constança Gonçalves filha de Gonçalo d’Arga que foy sete anos freyra em Voyturinho e fez profissom e tirou a este Gonçalo Pirez, Gonçalo Velho, per força, da abadessa e das donas; e esta freyra era filha de Gonçallo d’Arga huum peom filho d’algo e fez este Gonçallo Velho em esta freira estes filhos (...)”. Consta também este convento das Rationes Decimarum Lusitaniae, de 1371, na Biblioteca Apostolica do Vaticano. Em 1375, sendo abadessa D. Guiomar Gil, surge novo conflito entre o mosteiro e o mordomo do concelho de Ponte de Lima por causa do couto da Cabração, desta vez porque o mordomo aí entrara para fazer penhora de gados. Mais à frente nos ocuparemos do documento onde ficou exarada a sentença. A mesma abadessa, Dona Guiomar Gil, promoveu a elaboração do primeiro tombo das propriedades do mosteiro, em Março de 1383. Dez anos posterior é a sentença contra os herdeiros de Lopo Afonso, que fora abade de S,ª Leocádia de Geraz, por não cumprirem as respectivas disposições testamentárias, entre as quais se incluem as que beneficiavam o mosteiro de Vitorino, onde fora sepultado. D. Guiomar Gil deve ter falecido antes de 12 de Outubro de 1394, pois nessa data Dona Mor Lopes foi confirmada no cargo de abadessa pelo arcebispo D. Lourenço Vicente. 1.3- De 1383 a 1495 O tombo de 1383 parece marcar uma data a partir da qual os documentos relativos à economia do mosteiro, designadamente ao seu próprio património agrário, aparecerão com maior frequência. Além da sentença que já mencionámos, data de 27 de Junho de 1395 o desembargo de uma casa e de uma vinha feitos ao mosteiro por Clara Anes e seu filho, António Afonso. No entanto será necessário esperar pela proximidade de meados do século seguinte para que os actos económicos se intensifiquem. Em 22 de Janeiro de 1443 documenta-se um escambo de herdades em Fontão por outras de Vitorino, entre o mosteiro e Pedro da Capela, sendo abadessa D. Violante Rodrigues; em 1 de Março do ano seguinte, com a mesma abadessa, procede-se a outro escambo de propriedades, em S. Leocádia de Geraz, com Afonso Vicente, morador no julgado de S. Estêvão, e João de S. Pedro, contador, residente em Braga. Um outro escambo de herdades situadas na Varziela, freg.ª de Santa Comba, por outras, localizadas em Vitorino, a 30 de Março de 1463, não regista o nome da abadessa. Em 17 de Abril de 1482 é já abadessa Dona Inês Velha, que requere ao Corregedor de Entre Douro e Minho a cópia e a ampliação do tombo precedente, o de 1383. O mosteiro deve ter lutado contra os escolhos que, por esta época, levaram a sossobrar e a extinguir-se uma grande parte dos mosteiros femininos, de observância beneditina, da região, mas o facto de ter permanecido talvez permitisse que para ele se canalizassem as prodigalidades dos benfeitores, fazendo que o seu património aumentasse consideravelmente no fim do século, dentro da relativa modéstia que sempre foi apanágio deste convento. Cresceu o número dos actos de natureza económica – designadamente os contratos de escambo e de prazo – e o novo tombo, elaborado na primeira década do século XVI, dará uma imagem totalmente diversa em relação ao anterior, porque muito ampliada, do património fundiário do mosteiro. Detemo-nos, porém, desta vez, nos finais do século XV, já que o estudo da história do mosteiro de Vitorino das Donas, em geral, e especificamente a do seu domínio agrário, no século XVI exige um tratamento diferente. Registe-se apenas, a modos de conclusão deste capítulo, o facto de, em 17 de Dezembro de 1485, o bispo auxiliar de Braga, D. Frei Gil, ter celebrado neste mosteiro uma ordenação. O apelido do prelado sugere o seu parentesco com a abadessa que, anos antes, envidava esforços para pôr em ordem a economia do mosteiro, mas o acto solene, por si, basta para testemunhar o apreço que a Sé bracarense quis manifestar às religiosas de Vitorino das Donas.”
 
 
     
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