Canto de Cisne da Louça de Viana (O)

de: António Matos REIS

   
           
     
Excertos

"Em 1847, para dobrar a energia dos povos, designadamente os do norte do país, sublevados contra o autismo do governo central, no movimento que foi designado como a Patuleia, os ingleses assenhorearam-se, ainda que transitoriamente, dos portos do litoral.


Mais profunda do que o efémero domínio militar foi a dependência económica em que o país vinha a mergulhar, em consequência, por um lado, do fim do proteccionismo interno e, por outro lado, da falta de estruturas produtivas capazes de competir com as da Inglaterra, que se encontrava na vanguarda da primeira revolução industrial.


Os produtos ingleses passaram a invadir o país e a penetrar em todos os lares. Para o êxito dos artigos importados contribuiu o abaixamento do preço, devido à diminuição do custo da mão-de-obra, que se tornou possível com o recurso aos processos de fabrico mecânico e em série. Por sua vez, a novidade agiu como factor psicológico, ao estimular o interesse, a que se ficou a dever a maior difusão de um artigo que passara a estar na moda.


Algumas indústrias portuguesas procuraram adaptar-se à situação, modernizando-se para vencer a crise. Outras, porque o não fizeram, ou não conseguiram o êxito necessário, soçobraram.


A fábrica de louça de Viana conta-se entre as que procuravam reagir e adaptar-se às novas condições e às alterações do gosto dos consumidores. Conseguiu aguentar-se até 1855, produzindo uma grande variedade de peças em que se nota a influência da arte importada, sem, no entanto, lhes faltar a beleza que tinha feito a sua glória.


1- As louças que em grandes quantidades os ingleses faziam chegar a Portugal traziam as paredes cobertas de largas composições estampadas por processos mecânicos.
Sem se dobrar logo à técnica da estampagem, os ceramistas de Viana adoptaram, num primeiro momento, um processo de decoração que visava responder, ao mesmo tempo, à necessidade de maior rapidez na execução e à maior amplidão da superfície coberta com a mancha pictórica. Assim, em vez de minuciosa decoração com linhas e motivos vegetais e geométricos, a fábrica de Viana adoptou uma técnica de decoração a pinceladas largas, vizinha das técnicas de cavalete, conservando, no entanto, a mesma variedade e harmonia de colorido. Os ramos e as decorações em forma de palmeta, muitas vezes assimétricos, são os que melhor se adaptam a este processo decorativo, em que o cromatismo prevalece sobre o mimetismo. A espiral que continua a aparecer num grande número de peças, embora no início parecesse de realização difícil, tornava-se, depois de o artista mecanizar a execução, num processo fácil de preencher uma grande superfície, aliando a essa característica a graciosidade e o dinamismo que lhe são inerentes. (...)


2- Se as faianças não conseguiram resistir à moda da decoração estampada, os artistas de Viana não se vergaram totalmente à execução de uma tarefa repetitiva e sempre igual, nem se despojaram das suas capacidades para as confiar cegamente a um instrumento mecânico. Os nossos decoradores de cerâmica adoptaram uma técnica mista: uma parte da decoração era estampada, segundo o processo designado como transfer-print; esta decoração era depois retocada e completada com outra, executada manualmente pelo artista. O processo tinha duas faces: sobre uma lâmina de cobre ou de aço, preparava-se o desenho com tintas adequadas, que continham corantes constituídos por óxidos de cobre, antimónio, cobalto, manganês e outros, misturados com óleo de linhaça; tirava-se em seguida uma prova sobre papel fino humedecido, que em seguida se aplicava sobre a peça a decorar, previamente preparada com um mordente ou uma mistura salina, acentuando o contacto com a pressão de um pequeno rolo de feltro; feita assim a transferência do desenho, levantava-se o papel e leva-se a peça ao forno, de modo que a cozedura fazia evaporar o óleo e fixava as cores. (...)"


 

 
 
     
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