SER POETA
Quanto gesto silenciado Leva à alma do Poeta A alma do injustiçado!
Quanto silêncio roubado Canta com alma o Poeta Do coração destroçado!
Quanto eco num só momento Grita ao coração do Poeta O deserto em pensamento!
Uma espiga doirada, Um canteiro de flores, Uma noite fria estrelada, Um dia quente sem cores, Tudo e Nada O Poeta sente!
Por isso Camões, Cesário, Nobre, Pessoa, Vivem Sempre Eternamente!
ROTAS DA VIDA
Como eram belos os doces trinados! Que enlevo ver as rosas e os cravos Desmaiar fragrâncias no jardim De sóis, outrora vividos por mim!... Agora, porém, tudo se consumou: Espectro apocalíptico, sem fim, Cresceu... A alvorada jamais raiou!
Tu, irmão, nessa concha acomodado, Olvidando em sacrílega omissão Crianças de ventre dilatado, Navegas na rota da ostentação!
E tu, que das rotas do poder partilhas? Es incansável da lua justiça social... Agrilhoaste, com repastos de lentilhas, Razões humanas ao térreo Ideal!
Irmãos! Vós, que na rota da vida Semeais obuzes em vez de pão, Já pensastes no Ser sem guarida Sucumbindo célere à contradição?...
A rota dos dois cavaleiros assombrados É o holocausto, sem fronteiras, sem idade; Rios de sangue por eles são drenados. Em cantilenas alusivas à liberdade!...
Só tu, Irmão, que na rota de cada dia Manténs acesa a chama da harmonia Semeando gérmens de Amor leito Pão, Só tu... entoas bela Canção! Contigo, será apagada a nostalgia, Doces trinados, rosas e cravos desabrocharão Numa aurora renascida em Poesia! 1984
NOSTALGIA
A António Nobre
Ó Virgens que passais, ao Sol-poente, Lá longe, nas quebradas de meu pranto! Vinde luzir quimeras, doce encanto, Através das janelas do presente!
Cantai, moçoilas! Cantai suavemente... Cantai à beira-mar a flor do campo, A fonte, o luar... Eu quero tanto Voltar ao velho Lar que está dormente!...
Ah pudesse abraçar a mocidade! Vê-la parar, sentir a mesma idade, Na minha Torre d'Anto, sem um ai...!
Cantai! Cantai, viçosas raparigas, Trovas de madrugar manhãs floridas! Passai ao Sol mais devagar... Cantai!
1998
RELÓGIO
Implacável relógio do tempo, Que marcas segundos, minutos e horas sem parar!. Que controlas um triste dia de alegria, E não olhas à eternidade Dum coração a sofrer!...
Relógio da minha sorte, sempre a bater, Batendo forte, sem piedade! Relógio maquinal, a trabalhar, Como se esta vida a correr p'rá morte Fosse assim Ião fácil de viver E controlar!
PÁSCOA
Em bandas azuis sonoras Repicam Aleluias de alecrim e alfazema!.. Vestem na vereda da vida as nossas almas. Vestidas de roupagens brancas A cheirar às ervas frescas Com o aroma das rosas!... E em cada lar festivo. Voga no ar uma lavanda de Renovação! Tilintar mágico das manhas luminosas, Ritual Pascal feito Esperança, Vivido sempre igual por tanta gente, Mas para mim... Sempre diferente!
CIDADE
Sempre entendi Cidade Ponte ancestral de modernidade: Aldeia, Catedral Clássica, Praça Pública e Mercado Da Cultura Democrática!
Alguém sonhou um dia Cultivar Urbanidade: Arte, Civilidade, Cooperação, Tecnologia do trabalho universal!
Mas a fonte que alimenta A cidade... já secou! A ponte é uma estrada cinzenta, E a praça, espaço fechado, Aberto à realidade virtual Da cultura de mercado!
Sempre entendi Cidade Ponte ancestral de modernidade...
PORTO
Luz difusa deslumbrante, Dor de ausência compulsiva, Em dois momentos vitais da minha vida de Estudante! O Porto com as cores Que a memória vai pintando...
MELGAÇO
Melgaço é aquele abraço Sem fronteiras, Que desliza por vinhedos, Fragas e ribeiras, Acenando à Galiza E sussurrando ao Minho seus segredos!...
Vem, Amigo, Sentir por que choram de frio As margens do rio em pleno inverno!
Descobrir a natureza em pranto, Naquelas almas serranas Vestidas de negro, imaculadas de branco!
Partilhar do gesto fraterno. Quando a Serra desce às portas da Ribeira Para abraçar a Vila em dia de feira!
Escutar a Canção do Emigrante, Na hora longa da partida E num curto instante de chegada!
Percorrer as pedras da velha calçada, De Fiães a Castro Laboreiro, De Paderne até à Orada!...
Melgaço... feito de pedra morena, Torre de Menagem Legenda da coragem de Inês Negra!...
Mais, muito mais. Do que mil e uni matizes Pintados em paisagem natural, Melgaço, Amigo, É luta, caminho, raízes. Pedaço deste nosso Portugal!
VILA PRAIA DE ANCORA
As ondas batem, sem parar, Abrindo sulcos na rocha Que te deu identidade!... No Vale do Âncora Tudo escorre para o mar! Pico Ancorense, Dólmen da B airosa, Cultura Castrense, Cividade... Marcos de pedra afeiçoada ao tempo; Pedaços de terra à volta dum fogo; Espelhos d'água, que a Urze Canta em cascata na Serra d'Arga: — Ai quem com ela se cruze...! Caminho de História milenar Forjando a alma do Alto Minho!
Que força abrasiva A natureza tem em liberdade! Quanto sonho, Quanta luta desfeita em tumultos Pela incerteza da própria vida! E ninguém repele os seus impulsos... Só a pele ressequida do Pescador, Deixando marcas de sal Na sua cara-metade!...
As ondas batem sempre em Portugal, Com fragor, em dor sofrida, Coração de tantas mães! Gontinhães antiga, Vila Praia moderna: Cultura pré-romana; Pedreiros e marinheiros; Rio, serra, veiga, Ribas e enseada; Barco fora-de-borda. Masseira a remos; Praia, ferrovia, estância balnear; Comércio, serviços, hotelaria; Ondas de prédio em prédio a navegar.
Farol! Rede, anzol e armadilha Nas teias que a vida tece ao acordar!. Bruma, tempestade, sinal da Cruz! Bonança num areal que reluz pão Em Procissão ao mar! E tanta espuma branca, tanta A desaguar . No imaginário de qualquer criança!...
Mas sempre Calvário, Gaivota a sangrar, Portinho que bota a rede ao mar Deitando vida a perder!... Âncora Eterna, De Vila Praia moderna E Gontinhães antiga! Ancora de Santa Maria E Santa Marinha! Âncora-flor De madrugar coragem! ... O mais são estórias. Num Livro de Memórias Ao Pescador!
PONTE DE LIMA
A Teófilo Carneiro
Por sobre as águas, lentamente, rio acima, Deixo meu berço em Viana, Para reencontrar raízes, no coração da Ribeira Lima Deslizam mil e um matizes nos milheirais, E reluzente, o sino da velha ermida Resiste ao tempo, a desmaiar sobre a linha do horizonte Desliza Fontão em plena várzea: Recordação d'infância em tons amenos. Perfumada pela casa rústica de avós paternos... Mais avante, unem-se as margens: estrada romana imperial; E passagens, azuis e brancas, de Portugal! Morena é Ponte de Lima, amuralhada em casco Verde é a alameda; doirado o pão e o vinho da sua bandeira! Paço, Torre, Solar, Turismo de Habitação. Abraços entre vinhedos, e desfolhadas na eira, Guardam segredos de tão remota e concorrida Feira Com honras de nobreza em seu brasão!...
Arriba, S. João da Ribeira: "Vila Flora", onde hoje mora a saudade, Que Mendes Carneiro, meu tio-avô, soube pintar... E em Ponte de Lima pintou seu primo, Teófilo, Naquele banco de pedra... tão antigo, A metafísica dum tempo sempre enamorado!
Não sei cantar-te, És de alma e corpo a luz da perfeição! Só um vate apaixonado, como Bernardes, Teófilo, Feijó, Pode pintar teu coração!... Nobre, leal E mui antiga Vila em remansosas águas, Antes e depois de haver Portugal!
PORTUGAL
Aguarelas tonificadas de verde, Nas emoções profundas de quem as escolheu! Águas claras, Para mitigar nas Descobertas a sede, Revoltas em bruma Ao dobrar o Cabo das Tormentas E da Fortuna!...
Azul e branco, Campo ancorado, velas ao vento! Vermelhas são as quilhas Das caravelas em movimento... E amarelas, de negro tingidas, As bandeiras desfraldadas nas galés, De quem, sendo mesmo Português, Remou contra marés as suas vidas... E pereceu!
Camões pintou Portugal Em toda a sua extensão! Sonho imortal, Coragem, luta, determinação; Alegria real e fortuita; Paixão, Angústia, degredo, desolação!...
Pessoa, em Mensagem, Dá novo alento à coragem Lusíada: Voz que glorifica os corpos, Projectando a Alma Universal! Bocage, Sophia Andresen E Jorge de Sena tecem A grandeza de Camões, Numa Epopeia acesa de incompreensões!...
Na poética das palavras nasce um rio: Presente, Passado, Futuro... É urgente conhecer Alma-lusa... Lusitana! Esculpir genuína identidade, Transformando paginas de um drama Num hino de ternura e de vontade!
AMIZADE
Sobre a beleza da Fraternidade Em água corrente, cristalina, Pouco se escreve. O coração bebe as palavras Que a razão não sabe Separar das águas... Só o sentimento de partilha Ensina a escrever a Verdade!
HUMILDADE
Os Justos não têm idade: São luz da Luz Em plena harmonia!...
Os Justos são um fio d'ouro, Que reluz na Terra O seu tesouro: A Cruz Transportada com humildade, Cultivando as raízes Da Sabedoria!
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