Forais antigos do Noroeste de Portugal (Os)

de: António Matos REIS

   
           
     
Excertos
CONCLUSÃO “Os mais antigos forais de Entre Douro e Minho escalonavam-se em categorias diversas, que iam desde as povoações de expressão exclusiva ou predominantemente “burguesa”, como Guimarães, Porto e Vila Nova de Gaia, às de índole acentuadamente agrária, como Barcelos e Vila Nova (Famalicão, onde, no entanto, uma feira continha os germes de um ulterior desenvolvimento), passando pelas que, real ou programaticamente, se situavam num plano intermédio, meio rural, meio urbanas, como Ponte de Lima e Melgaço. Em todos os casos, porém, se acham características comuns, a primeira das quais está no facto de as áreas a que os forais se reportam serem relativamente limitadas: um burgo, uma povoação, uma vila. Os moradores pagam um tributo anual fixo, mas estão isentos das sisas e portagens na povoação, ou mesmo em todo o reino, as quais em contrapartida recaem sobre os estranhos. Impede-se que elementos provenientes de estratos superiores da sociedade venham perturbar o clima social, proibindo-os de habitar no burgo ou na povoação, para evitar as suas ingerências ou os prejuízos materiais resultantes das respectivas isenções e privilégios. Os moradores são protegidos contra os abusos ou excessos das autoridades policiais e fiscais, obrigando-as a aceitar fiadores, em vez da indiscriminada execução de penhoras, enquanto os infractores não são julgados. Estão fixadas as penalidades a pagar pelos vários crimes e infracções, que em geral, nas causas que envolvem crime grave, apenas são paliçadas após o julgamento, e só é considerada a existência de crime ou delito, quando for apresentada queixa. Estes municípios têm órgãos próprios de governo, estando em primeiro lugar o juiz, cuja nomeação resulta da escolha feita pelos vizinhos. A concessão dos forais representa um notável esforço no sentido de criar, ou, noutros casos, de proteger e incentivar o desenvolvimento de pólos dinamizadores da vida económica e mesmo da transformação social do território, nos quais a actividade comercial e artesanal adquire um valor crescente, como complemento e alternativa a outros sectores, onde se fazia sentir o peso do domínio senhorial, que condicionava ou impedia a evolução e o progresso. Paralelamente, verifica-se que a administração régia não dispõe, nos primeiros tempos, de uma organização sólida, estando confiada a ricos-homens, meirinhos e mordomos, que exerciam o poder de modo descoordenado entre as respectivas áreas. Parece que a sistemática divisão do país em julgados, iniciada, depois das cortes de 1211, por iniciativa de D. Afonso II, e de cuja efectivação temos o mais antigo testemunho nas Inquirições de 1217, representa a primeira tentativa de uma organização racional do território, repartindo-o em áreas judiciais e administrativas. É, porém, de notar que não coincidia ainda a administração do julgado com a do município, uma vez que os dois espaços não se sobrepunham: o julgado teria à sua frente um juiz de nomeação régia, e o município, um juiz, por regra, eleito pelos vizinhos. Nesta perspectiva, parece-me importante a inovação introduzida com o foral de Valença, em 1217. A outorga de um foral com raízes na área leste da Beira Alta a uma localidade situada em província tão afastada, mais concretamente, no Alto Minho, e a difusão que depois teve, ao ser concedido a outros concelhos da raia minhota – a proximidade da Galiza e o mar permitem que Viana do Castelo se considere também fronteira marítima – explicam-se por razões de ordem estratégica. O rei concedia a cada um dos concelhos a jurisdição sobre um território mais ou menos amplo, oferecendo-lhe estímulos para o defender. Criando em cada um dos municípios uma administração única, garantia o seu governo, a paz social entre os moradores, e a afluência de proventos fixos e certos aos cofres régios, tanto mais que essas terras se localizavam longe da corte, onde a actividade económica e os movimentos das pessoas são mais eficazes de controlar, por acontecerem numa zona de fronteira. O julgado funde-se com o município, as autoridades são únicas, o controle das entradas e saídas de pessoas e bens torna-se mais eficiente. A fronteira dispõe de homens para a defenderem em hora de alarme. O município, a quem apenas se exige a liquidação anual de uma prestação fixa ao estado, procurará estimular o desenvolvimento da actividade económica e a vigilância às infracções e crimes para incrementar o aumento das próprias receitas. E foi assim que, no Alto Minho, dos municípios situados dentro das muralhas ou dos muros de uma vila se passou a outros de mais ampla expressão territorial. O município deixou de ser um órgão vital isolado, embora insuflando ar fresco e seiva nova a um determinado espaço, tornando-se o meio da racionalização governativa de um território mais vasto, e, progressivamente, de todo o território nacional. Em vez dos pequenos municípios urbanos e rurais, quase perdidos no meio do território, a hora será dos municípios que possibilitam e concretizam uma mais equilibrada divisão e organização administrativa do mesmo território.”
 
 
     
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