(...) Augusto Canetas, na sua "viagem" pelo seu íntimo,pelos seus locais mais recônditos e guardados procurou, agora, trilhar um caminho diferente. Se antes nos habituou a uma determinada postura face ao mundo e aos homens, tenta, no momento, procurar, nas suas raízes, as respostas às angústias, às alegrias nostálgicas de uma infância conturbada, mas feliz de alguma maneira, numa qualquer aldeia perdida neste Minho de tradições arreigadas e conservadoras. O menino dos recados, perdido nos sonhos e na aventura, cresceu e, um pouco inesperadamente, conseguiu benesses a pulso, à custa da sua persistência e espírito de luta, fugiu da vulgaridade e mostrou-se ao mundo. É isso que lemos neste seu trabalho feito de sobrevivência, de situações de injustiça, mas também de abraços quentes de uma mãe extremosa e de uma família unida. A obra que hoje temos à nossa disposição revela um escritor mais maduro, num estilo fiel a si próprio com incursões quase neo-realistas, mas de escrita serena e simples. É a obra do menino que se fez homem por si, e que, ao escrever, liberta toda a pureza e serenidade que numa alma inquieta e em permanente efervescência, lança "farpas" na amargura e magicamente a transporta em paz e serenidade. "Valeu a pena? / Tudo vale a pena / se a alma não é pequena". - São palavras de Fernando Pessoa que ganham todo o sentido ao lermos a obra de Augusto Canetas. in Texto Introd. por Ana Maria Costa, Profª do Ens. Secº, Licª em Línguas e Literaturas Modernas.
(...) A noite negra como breu, recolhia à volta da lareira o aconchego da família sob a penumbra elementar da candeia por um mundo invisível de presentes, o dia mais prometedor que fose nunca se deu!...A não ser a masseira aberta, uma vez de oito em oito dias para que a farinha se envolvesse na canseira de tornar a massa em pão e ser governado a semana inteira!...Devoto, o sino da torre da igreja, anunciava com o som das badaladas da "Santíssima Trindade que não se devia passar a eira" pois a noite prometia ser longa e adormecida, sempre no habitual e afeiçoado início da oração do Pai-nosso e Ave-maria pela jornada reconhecida que sua mãe, afectuosa na graça do Senhor e em paz, todo bem se engrandecia!...(p.29)Para ver televisão a preto e branco na redondeza, só no café do Senhor Costa a uns bons trinta minutos de casa, depois da ceia e de quando em quando, porque tudo estav rigorosamente controlado por sua mãe que o cuidava a liderar muito atenta e sobretudo recomendado pelo pai!... Todavia, a tradição da toalha, a mesa e os bancos foram sempre o elo de união para o entendimento da família fosse qual fosse a reunião o momento foi sempre de comunhão porque o pai era o chefe, a ordem e o respeito e a mãe, o amor e a educação... (p.34)Na pressa de ser grande para se entender com a vontade do crer, o menino foi ganhando pulso; as pernas cresceram, o coração ficou enorme, e o corpo aproximava-se à capacidade de um homem!(...)Aventureiro e afoito, resolve pedir trabalho numa loja de cafetaria que ficava a uma boa légua da aldeia para servir à mesa o que lhe foi imediatamente concedido com enorme satisfação e clareza!...Feliz a indagar o enlace, todas as noites depois da lida dava conta do pecúlio com um bom punhado de gorjetas a seus pais que os surpreendia!... (pp.50/ 51) (...) Até que, uma noite, ao fecho das contas como tantas outras, fatigado do buliço, dezassete horas de mesa em mesa com o serviço a sobejar o tabuleiro sobre a palma da mão, o frágil mas corajoso tórax, por mais forte que fosse, não dava conta da fraqueza do feitiço que o corpo arreava as horas ingénuas da mente, esqueceu-se da divisão dos bolsos e entregou ao patrão todo quinhão dos ossos, que com estranheza verificou que a soma do valor das gratificações era superior ao total do movimento registado nas gavetas!... (p.56)(...)Mau que nem feras, o dono da cafetaria, sem contemplações entendeu sumariamente que o excesso das alvíssaras provinha da falta do registo de algum serviço e que o rapaz estava a ser inconfidente, por esse motivo e com todo o cisma o mandou embora vazio de remuneração e trabalho, pendurado no fio amargo do interdito desvio que a sua inocência descarada de proveito se fez cair na malha da decepção... (p.59)
Prefácio de: Professor Vasco Moreira( Mestre em Educação e Licenciado em Humanidades e Filosofia)
Toda a narrativa oral e tradicional se caracteriza pelo tempo indeterminado a que a fórmula "era uma vez..." ajuda bastante. O conto que Augusto Canetas nos oferece convoca essa imagem da tradição ao iniciar-se por "Era uma vez um menino...", mas a indefinição temporal adquire vivências de um tempo que projectam o seu autor. Do fundo dos tempos, vem ao nosso encontro a educação da palmatória e as lições do "respeito, lealdade, humildade, compreensão, solidariedade...", a bola de trapos para as brincadeiras, o aconchego à volta da lareira, os frutos selvagens, as primeiras imagens televisivas a preto e branco, as lendas das "alminhas da sombra negra", a guerra do Ultramar, a revolução dos cravos e tantas outras coisas que só uma leitura atenta nos pode ajudar a conhecer e a entender... Numa prosa poética, onde a poesia tem lugar, se constrói uma vida de sonhos e de realidades que ora revelam o anseio de um homem na procura da compreensão do mundo, ora escondem aquele homem-menino que desejava ver realizados os seus sonhos. O título "Obstinação" remete-nos para isso mesmo, ou seja, para a perseverança num caminho que levaria o menino à condição de homem e que levaria este a agir, com tenacidade, com firmeza, em todos os projectos a que lançou mãos. Num jogo de memórias e metamorfoses, Augusto Canetas procura as palavras exactas e os ritmos que permitem ao passado emergir entre a ânsia de uma liberdade e o propósito de afirmação. As imagens de Camilo de Léllis, que completam o texto através da ilustração, são, também memórias que contribuem para a presentificação do passado e para a compreensã do ser humano que atravessa o rio que é a vida.
"Augusto Canetas" é o pseudónimo artístico e literário de José Augusto Faria da Costa, Barroselas, Viana do castelo - 1945, frequência do antigo liceu, casado, dois filhos, veterano de guerra ( Marinha Fuzileiro Especial, duas comissões) ex-empresário, autodidacta, músico compositor e intérprete cantautor, actor de poesia a tempo inteiro, saltimbanco, escola da vida, utópico, sonhador com muita estrada no coração. ( o meu princípio é o fim!...) Declama e canta a poesia de literatura portuguesa nas escolas do secundário.
Edições já editadas pelo autor: . FLASES - Poesia (4ª Edição - 2006)
. CHOQUE - Poesia e Prosa ( 2ª Edição - 2006)
. NA CRONOLOGIA DO SONHO - Conto ( 1ª Edição - 2006)