(...) Burguês Anti-Burguês denuncia os interesses criados e instalados que abafam e apagam na consciência a realização íntima e profunda do eu, da vida e até do amor. Impedindo a auto-realização, fazem do homem uma máscara de futilidade e ilusão caindo-se no inautêntico e no fora de si, na exterioridade do mim. Surge aqui a linha mestra de quase toda a obra, a luta entre o espírito e a matéria. (...)
A vida, e por consequência a obra, é uma superação. Poesia do frágil derruir de tudo, do declínio da ilusão "Cumpre o teu dever que é envelhecer" e de algum desprendimento em que o tempo surge como crepúsculo total na sua fugacidade que apaga e destrói o efémero e o sonho, igualando os humanos na morte. A morte como o grande horizonte ou aurora da vida é também um tema central na obra de Geraldo Aresta.(...)
Mas, se a presente obra brota da intimidade, é de nóms que ela se ocupa e, por isso, nos abala. Porque nos arranca a máscara e vai directa às nossas fraquezas. (...)
in Prefácio de "Burgês Anti-Burguês" ( excertos)
Ah ser estúpido e bom mas fibralmente humano!: deixar-me invadir por mim sereno e ignorado, sereno e condenado ao meu fim.
Somos nós a alcateia, os lobos feitos fantasmas e bobos da nossa servidão: focinho no chão roendo, roendo, mastigar moendo, moendo, mais não.
Moído, transido de medo e futuro, sabes que és tu o monturo, o lagarto ao sol aberto, o lesma que bate certo com teus dias, teu acerto.
Caem sonhos por ti mortos: são abortos, sacrossantas agonias de outra alma que já tiveste e temias
Sem respeito irreverente e tranquilo tu andas, Geraldo,ao jeito de tudo isto e mais daquilo.
Patas no chão: os dias mordem tu gemes explodes e reexplodes mas não tremes irreverente como gente que não temes.
Sacode a canga e a morte: os sonhos te fazem forte, o tempo te sacudiu.
Cumpre o teu dever que é enriquecer, cumpre a tua obrigação que é dizer não à poesia, fantasia, coração.
Amealha, respeita e consagra: és um louco, Geraldo, se sais disso: sai-te do peito o repeito e o viço.
Cumpre o teu dever que é envelhecer.
Geraldo Aresta nasceu em Cardigos, Mação - Santarém, em 1928 e faleceu em 2001. Geraldo Viegas de Oliveira Tavares - de seu verdadeiro nome - licenciou-se em Filologia Românica e foi professor do ensino secundário durante trinta anos. Pertenceu à extinta Sociedade Portuguesa de Escritores e à Associação Portuguesa de Escritores.
Obras: Caos, 1951 (poesia); Gente Média, 1959 ( contos); Os Deuses e o Tédio, 1960 (teatro); Diário dum Estrangeiro, 1960 (Considerações pessoais); Moranga, 1965 ( poesia); Tempo Escolar, 1979 (contos); Proteu Político, 1988 (sátira dramática); Joanas, 1993 (colectânea de novelas).
Inéditos: Gente Comum, (contos); Sara; A Bela e o Mundo; A Miséria e a Morte; Perfil Reflexo; Inês de Castro; A Negra (teatro) e Contos Infantis.