No livro Meu Coração Caminheiro, o coração malicioso e inconstante que brincou com as «paisanas» ou as namorou sem propósitos de «bom fim», sofre já, sangra já, atingido pelo verdadeiro amor. Apresento, como exemplo, três poesias: Saudades (...) o excerto de um longo poema, Impossível Amor, pertencente à terceira e última parte do livro, intitulada Descendo a Encosta (só um ano depois, com este mesmo nome, apareceria a obra de Eugénio de Castro!). Tal como a primeira, surge colorida de transparentes tintas românticas (...) E, por fim, a terceira poesia, decerto a mais exemplar na estrutura pemática, na beleza das sínteses e, também, a mais liberta do molde naturalista. Chama-se Órbita Fatal e prova bem que o seu autor não é um mero aspirante a poeta, mas um poeta autêntico que merece ser salvo do esquecimento a que a fatalidade do Letes o votou (...)
António Manuel Couto Viana, Poetas Minhotos, Poetas do Minho
SAUDADES
Há quanto tempo que te não vejo!Que será feito de ti, Amor?Passo e repasso, não há ensejo,Por mais que passe nunca te vejo!Que será feito do meu Amor?
Guiando os passos para o teu lar,Meu coração, norteador,É como agulha de marear, Marca-me os rumos a procurarQue será feito do meu Amor!
Há quanto tempo— tanto! parece —Tudo me vela sombria cor!Como esta falta não me entristece,Espero o dia, nunca amanhece...Que será feito do meu Amor?
Ai de minh'alma, triste e coitada,Neste abandono desolador!É como a lareira desamparada, A que faltaram com a enxadaQue será feito do meu Amor?
Sinto as saudades a suspirar:— Que será feito do meu Amor?Passo e repasso, torno a passar,Quanto mais perto estou do teu lar, Fico mais calmo, fico melhor.
Passo e repasso, olho as janelas!Que será feito do meu Amor?Mas de nada serve demora a vê-las,Se tu não chegas, são como estrelas...Não acendidas pelo Senhor!
Se tu não surges, lembram-me altaresPela Quaresma, quadra de dor!Aleluia, se tu chegares!Oh! Que tristeza não assomares!Que será feito do meu Amor?
IMPOSSÍVEL AMOR(Excerto)
Impossível amor! E mal abarcoA espessura do mar, em que naufragaMeu coração, o miserável barco, De encontro à aresta da escabrosa fraga.
Ai do nauta, acossado da tormenta,Que ao descobrir enfim o porto amigo,E quando a esperança o acalenta,Naufraga à vista do almejado abrigo.
Ah! Como deve ser dilaceranteA agonia na luta com a vaga,Se quando já da terra tão distante,Sente que a onda, a pouco e pouco, o traga!
Impossível amor! Ai do varadoPor golpe repentino da Desgraça!Recusa crer, e em seu olhar pasmadoClarão estranho de desvairo passa!
Ai do que a luz não mais verá acesa,E só deixaram olhos de chorar!Ai do pobrinho, que entra, à noite, o larE não encontra pão na sua mesa!
ÓRBITA FATAL
Verdadeiro amor!Sol da nossa vida!Nasces: bendito seja o seu alvor,Que nos acorda a alma adormecida.
Sobes: meio-dia!Fulgem mais alto os raios teus!E nossa alma, se então já subia,Olha em redor, e só encontra Deus!
Desces: no ocaso- Trajectória fatal - tu já declinas;Vais atingindo o horizonte rasoMas aqueces, amor, inda iluminas!
Crepúsculo triste!Órbita fatal!No horizonte raso te sumiste,E vai descendo a sombra pelo vale!
Espelha-te o luar!(A luz somente, não o teu calor)Fica o luar na noite, a iluminar,Fica a ternura, que é luar do amor!