Esta separata do volume 22 de Estudos Regionais é totalmente dedicada à história do Edifício onde o Museu Municipal se encontra instalado.
Debruça-se, num primeiro momento, sobre a localização do museu e história do edifício, para prosseguir com referências algo minuciosas sobre o arquitecto autor do projecto do edifício, o cónego encomendante e os contratos e escrituras elaborados.
Ao referenciar o estilo da construção, António Matos Reis tece considerações pertinentes sobre a fachada do edifício, a organização do espaço interior: entradas, quartos, salões, pátios interiores, cozinha e escadarias de acesso e capela.
Destacando alguns aspectos decorativos, surgem-nos referências aos painéis de azulejos que embelezam algumas salas. Este mesmo assunto é retomado aquando do tratamento da capela, não se quedando o autor por aqui. Efectivamente, foca também o retábulo com suas mísulas, colunas e vultos esculpidos.
Sobre o brasão, depois de se referir a compra do palacete pelo Dr. JOão Barbosa Teixeira Maciel, colhem-se informações acerca do escudo: campos e particularidades do mesmo: a existência de de uma "brica de prata com um trifólio negro, colocada no ângulo superior esquerdo.
O estudo propriamente dito termina com uma referência ao antigo jardim, seguindo-se um apêndice dedicado ao brasão da sala da clarabóia.
António Matos Reis inclui ainda uma série de documentos relacionados com o palacete: a autorização da Câmara Municipal para "a cedência de uma pena de água para a casa a edificar pelo Cónego António Felgueira Lima"; a "Escritura de alteração do contrato para a construção da casa do Cónego António Felgueira Lima, em Viana"; o "Registo do óbito do Cónego António Felgueira Lima"; o "Registo de óbito, por constar, do Cónego António Gilgueira Lima"; o registo do "Casamento do Doutor João Barbosa Teixeira com Dona Luísa Maria Maciel de Lima"; e o "Óbito do Dr. João Barbosa Teixeira".
"5. O Estilo
É interessante verificar como à construção desta residência estão ligadas as duas figuras mais importantes da época, no Minho, no âmbito da arte de construir: Manuel Fernandes da Silva e Manuel Pinto de Vilalobos. Os dois marcaram o rumo da arquitectura no domínio eclesiástico e civil nos centros urbanos de Braga e Viana e no território polarizado à sua volta. Ambos eles nos reenviam para a importância que tiveram os engenheiros e arquitectos militares nos finais do século XVII e primeira metade doséculo XVIII, extravasando para a arte religiosa e civil a sua formação inicialmente orientada para as construções militares. Foi especialmente por seu intermédio que chegou até à arquitectura civil, designadamente aos solares, com uma certa marca epigonal, a influência da teorização arquitectónica mais erudita, elaborada na continuidade do renascimento e divulgada especialmente pelos tratadistas Sérlio e Palladio.
As guerras da Restauração trouxeram para o Minho um engenheiro militar de origem francesa, Miguel de Lescol, que acabaria por se fixar em Viana do Castelo, dando início a uma escola de arquitectura que iria estender a sua influência a toda a província do Minho, prolongando-a até ao Brasil, através de João Fernandes Pinto Alpuim. Na órbita de Lescol completaram a sua formação o engenheiro Manuel Pinto de Vilalobos e o mestre construtor Pascoal Fernandes, que, tendo conhecido no Porto o engenheiro francês, lhe terá ficado a dever a vinda para Braga, inicialmente com o objectivo de construir a igreja de S. Vitor, assim como a sua familiarização com o meio eclesiástico e social bracarense, de que resultaram outras encomendas. Com ele colaborou e lhe sucedeu o seu filho Manuel Fernandes da Silva, que veremos próximo de Manuel Pinto de Vilalobos em Braga e Viana.
A fachada principal do Museu, voltada para o Largo de S. Domingos, tem um ar majestoso, que lhe advém do rigor das linhas e, ao mesmo tempo, dos vigorosos contrastes de luz e sombra; está dividida em seis panos, por uma platibanda cruzada por pilastras, em correspondência com a estrutura interna do edifício. As aberturas - portas e janelas - com molduras rectangulares no primeiro piso e frontões de linhas rectas no andar nobre, estão rematadas por falsas aduelas, de inspiração serliana, em correspondência com os «bozzali» ou almofadas do rodapé e das pilastras. Nesta decoração, o palácio acusa a influência do vizinho edifício da Vedoria militar, cuja função de modelo, nesta parte, é, como vimos, declarada logo no primiero contrato com os mestres pedreiros, mas suplanta-o em perfeição e harmonia. A decoração das gárgulas coaduma-se com a experiência de um artista que na fachada principal de alguns templos bracarenses ensaiara imitações em granito da talha em madeira em voga na época e característica do estilo que depois de Robert Smith se chama "barroco nacional". A solução, pouco ortodoxa, para o conjunto da porta principal e duas janelas contíguas, estreitecidas estas para tornar mais larga a primeira, encontra paralelo noutras obras executadas por Manuel Fernandes da Silva na cidade de Braga. Na retaguarda, o edifício possui, no rés-do-chão, uma arcada assente em pilares de secção quadrangular, e, no segundo piso, uma airosa varanda de colunas toscanas.
A organização do espaço interior dos solares e moradias que se lhe assemelham obedecia a esquemas relativamente simples, que permitiam inúmeras variantes, mas em geral tem como referência fundamental as orientações dadas por Andrea Palladio no primeiro de I quattro libri dell'Architettura: «todas as casas bem ornadas têm no meio e na sua parte mais formosa alguns lugares a que correspondem e vão dar os demais. Estes, na parte de baixo, chamam-se geralmente entradas e, na de cima, salas. São como sítios públicos. As entradas servem para estar os que esperam que o dono saia de casa, para saudá-lo e negociar com ele, e são o primeiro espaço (para além das loggie) que se patenteia a quem entra na casa. As salas servem para festas, representações de comédias, bodas e actos semelhantes. Por esta razão, estes lugares devem ser muito maiores que os outros e ter grande capacidade, a fim de que muita gente possa estar comodamente e veja o que se fizer». Ao contrário do que sucederia noutros palacetes, na residência do Cónego Felgueira Lima, as recomendações de Palladio foram seguidas à risca, especialmente as de que «os quartos devem ser distribuídos a um e outro lado da entrada da sala, e deve advertir-se que os da direita correspondam e sejam iguais aos da esquerda, a fim de que a fábrica seja tão semelhante de um lado como do outro e os muros recebam por igual a carga do tecto; porque, se de um lado fizerem as habitações maiores e do outro as mais pequenas, estas serão mais aptas para resistir ao peso, por estarem mais próximas das paredes, e aquelas mais débeis, pelo que, com o passar do tempo, surgiriam grandes problemas e inclusivamente a ruína de toda a obra».
Os pátios interiores com colunatas e arcadas, só em raros casos completos, são uma reminiscência das vilas romanas e, apresentando um dos lados não construído, ou, quando muito, com uma parede de separação (cite-se mais uma vez o exemplo do Palácio Pitti), estão na origem das plantas em U, que, curiosamente, irão ser voltadas ao contrário, isto é, colocando o pátio do lado da entrada, em vários solares. No palacete de Viana, cuja planta inicial desconhecemos, estava prevista a construção de um pequeno claustro ou pátio interior, com colunatas e arcadas em três dos lados, que viria a ser posto de lado na planta definitiva.
Das arcadas e colunatas das fachadas principais e dos pátios clássicos, no edifício do Museu, apenas ficará memória na varanda da fachada posterior. Andrea Palladio definiu-as deste modo: «Geralmente, costumam fazer-se as loggie na fachada dianteira e na traseira da casa; colocam-se ao meio, sendo uma só, ou dos lados, sendo duas. Estas loggie servem para muitos usos, como pasear, correr e outras diversões, e serão maiores ou menores segundo o exija a dimensão e a comodidade da obra, mas normalmente não se farão mais estreitas do que dez pés nem mais largas do que vinte».
Na varanda deste palacete, o primeiro piso apresenta uma teoria de arcaturas lisas apoiadas sobre pilastras, e o segundo um conjunto de elegantes colunas de ordem toscana, que serve de apoio a uma singela arquitrave.
A experiência e as lições dos mestres ensinavam onde se deviam colocar e que dimensões haviam de ter as portas e as janelas, em conjunto e com abertura suficiente para dar passagem à luz necessária, sem qualquer demasia, de modo a evitar a excessiva exposição ao calor e ao frio, e a permitir a existência dos panos de muro suficientes para se fazer uma boa utilização do espaço interior.
A cozinha foi colocada nas traseiras, com o temor dos incêndios, numa posição de relativo isolamento em relação ao resto do edifício. Da cozinha, no edifício do Museu, foi recentemente suprimida a lareira, mas conservam-se os dois fornos e a trave interior da chaminé.
As escadarias de acesso dos palacetes construídos nos séculos XVII e XVIII são colocadas de modo diverso nas construções localizadas no mundo rural e urbano. Nos edifícios implantados em ambiente rural, a escadaria principal situa-se geralmente no exterior e contribui, em grande escala, para o efeito cenográfico do conjunto. Nos aglomerados urbanos, onde as casas confinam com a rua, a escadaria de acesso ao piso superior situa-se, em regra, no interior do edifício, aplicando-se-lhe mais adequadamente o que Palladio diz acerca das entradas. Nos palacetes mais criteriosamente construídos, foram respeitadas as normas dos tratadistas relativamente à iluminação das escadas, à sua largura (no mínimo, que uma pessoa possa à vontada cruzar-se com outra), à altura (seis polegadas, no máximo) e à largura (o dobro da altura) dos degraus, e aos «descansos» ou patamares intermédios.
As dimensões do edifício, a opulência e a magnanimidade de quem o mandou construir, assim como a criatividade do artista que o desenhou ditaram o aspecto final da escadaria: simplesmente adossada a uma parede ou exenta, a ela perpendicular, num só correr ou desdobrando-se em vários lanços. Como na quase totalidade dos contemporâneos palacetes de Viana (a excepção é o palacete onde funciona a sede do Instituto Politécnico), na residência do cónego Felgueira Lima, a escadaria principal desenvolvia-se num espaço interior, adossada às paredes.
Em número significativo, embora nem todos, tal como os solares rurais, os palacetes urbanos desta época possuem uma capela. A localização da capela varia, conforme a época e as circunstâncias: nos solares mais antigos, quando existe, ergue-se isolada e mais ou menos afastada do edifício principal; mesmo quando adossada à moradia, a partir de meados do século XVII, a capela aparece, em geral, com uma porta, a principal, a dar para o exterior, sinal de que, na nomenclatura do direito canónico, se tratava de um oratório semi-público; quando não há acesso directo para o exterior, é um oratório privado. O carácter semi-público facilitava o acesso dos caseiros e jornaleiros residentes no exterior do solar, e do público em geral, contribuindo para o prestígio da família proprietária e para manter a sua influência sobre o mundo circundante. Nestes casos, o público entrava, em geral, pela porta aberta para o exterior, enquanto os donos da casa, à semelhança com o que sucedia com as religiosas nas igrejas dos mosteiros femininos, assistia aos actos litúrgicos no coro alto. No século XVIII, em vários palacetes, de que o Museu de Viana é um exemplo, apenas têm acesso à capela os proprietários, a sua família e a sua criadagem.
A pequena capela, benzida, em 3 de Dezembro de 1726, pelo próprio Arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles localiza-se no ângulo nordeste do edifício, constituindo um corpo saliente. Em 22 de Outubro de 1726, D. Rodrigo passara uma provisão que autorizava o Cónego Felgueira Lima a ter um oratório na sua casa, e que nele se celebrasse missa e outros ofícios divinos, e dava poderes ao pároco de Monserrate para proceder à sua bênção. O Arcebispo intencionalmente ou por acaso, premiou a dedicação do seu colaborador, procedendo ele mesmo à bênção da capela, no dia 3 de Dezembro de 1726, como consta da certidão assinada pelo pároco de Monserrate, em 12 de Janeiro de 1727. O espaço é muito pequeno, reservando-se o interior da capela aos senhores da casa, seus parentes e convidados; um janelão abre-se para fora, para as alturas em que houvesse grande afluência de convidados ou para acolher um grupo maior de criadagem".