São quinze textos onde Couto Viana, num cantar magoado, se afirma ser quem foi e nos fala
a) de velhos sentados num banco de “jardim fronteiro ao mar” e com quem ainda se não identifica. Ali, apenas se busca, num “acto de coragem”: “ainda sou quem passa P’la mão da minha mão”
b) de Colombo e do “ser português”;
c) da vida/mensagem que um livro transporta;
d) do Natal que “cada criança é o Céu que vem / para nos remir do pecado”;
e) sobre as estações do ano;
f) da sua desilusão porque a caixa do correio continua sem qualquer mensagem para si
TRÊS POSTAIS DO FUNCHAL
1. Num Banco de Jardim
Num banco de jardim fronteiro ao mar,Sento-me como os velhos:As mãos abandonadas nos joelhosMas o olhar por dentro a olhar.
Pode outro velho vir para o meu lado,Pombas poisarem-me aos pés:Não falo do passado,Não trago pão esmigalhado,Não estou aqui de vez.
Voltar a mim é-me hoje um acto de coragem.Mas o mar, mas o íntimo jardim,Recordam-me de ser menino em mim,E trazem-me, feliz, da minha margem.
2. A que vêm os velhos?
A que vêm aqui os velhos e as velhas?Lê-se-lhes no exótico a nacionalidade.Coxeiam muito e exibem varizes e engelhas,Envelhecendo a idade e a cidade.
Agasalham, no sol, as pernas nuas,Com um oh! De prazer vão perseguindo as flores,Evitam sombras das antigas ruas:Preferem-lhes a vida sem memória e sem dores.
Apoiam-se a bengalas de insensíveis ponteirasCom que invadem e pisam a paisagemE a igreja onde o imperador repousa entre bandeiras.Respeita-lhes a morte o termo da viagem.
Mas, ao vê-los, que horror esse espelho, essa imagem!
HÁ QUANTO …
A caixa do correio continua vazia!Há quanto não recebo uma carta de amorA dizer: «Li a tua poesiaE já a sei de cor».
Uma carta de amor! Com que temor a abria,Não fosse acaso desfolhar a florQue entre as folhas floriaE me trazia a tua graça e o teu odor.
Era sempre uma rosa: a rosa da alegriaQue faz a inspiração juvenil e maior.A caixa do correio continua vazia…E o coração mais cheio de velhice e dor!
CANTAR MAGOADO
Acordem a manhã mais tarde cada dia:Ai, deixem-me dormir na minha poesia! Sou apenas quem fui.
Acordem a manhã às horas do poente:Ai, deixem-me dormir na minh’alma doente! Sou apenas quem fui.
Ai, deixem-me dormir na minha poesia:Em mim tudo acabou, já nada principia! Sou apenas quem fui.
Ai, deixem-me dormir na minh’alma doente:Na mão do semeador está podre a semente! Sou apenas quem fui.
Em mim tudo acabou, já nada principia:Ai, deixem-me dormir enquanto a alma esfria! Sou apenas quem fui.
Na mão do semeador está podre a semente:Ai, deixem-me dormir, dormir eternamente! Sou apenas quem fui.