RETORNELLO...
Hoje devia de chover! Devia
cerrar-se o dia em água,
porque anda em mim uma tristeza imensa
- e o Sol é uma ironia,
é uma ofensa
à minha mágoa!...
Hoje devia de chover! E tanto
que houvesse cheia e o rio fosse um mar;
que a chuva fosse aquele imenso pranto
que eu devia chorar
- se pudesse chorar...
Hoje devia de chover! E a água
fugiu do céu, não sei por que razão!
Fugiu do céu, desapareceu, que eu trago-a
na nuvem que me tolda o olhar de mágoa
e cai no meu coração...
62. Julho,25
INTERMEZZO...
Por que será que a noite come a cor às rosas
vermelhas
e por que são elas teimosas
em se manter vermelhas,
mesmo no escuro, onde ninguém as vê?
Porquê?...
- É por que são vermelhas, simplesmente,
como a alegria,
como o sangue da gente;
é por que sabem que mentir não dura
e que, depois da noite mais escura,
há sempre um dia
- um dia de alegria
e de ternura-;
e que o Sol é quente e que a luz não mente
e vem sempre beijar quem a procura!...
63.Fev.º,26
PIZZICATO …
Caiu já hoje de manhã - fui vê-lo -
um ouriço do velho castanheiro:
Grande, robusto, autêntico novelo
de picos que o sol fez doirar
e amadurar
primeiro.
Peguei-lhe com cuidado,
que eles são agressivos,
rebarbativos e mordem com delícia o mais pintado...
Maduro. Já abria. Na floresta
de picos acerados
rasgava-se uma fresta
- um sorriso dos bem intencionados...
Lá dentro - curiosas, tímidas, estranhas -
espreitavam três castanhas.
Com calma e cuidado,
forcei o «sorriso»
do ouriço. E, então,
ele picou-me , mas fiquei vingado,
as castanhas saltaram de improviso
e rolaram no chão
- morenas,
brilhantes,
brunidas
e belas...
(Castanhas daquelas,
mesmo três, apenas,
compensam picadas de ouriços tratantes,
ciumentos delas
ali escondidas...)
Como ele as defendera, entre milhares de picos
- ciumento como um turco! - em seu harém fechado,
deitadas em coxins de bons veludos ricos,
na sombra dum serralho quente e alcatifado!...
Mas nem
os picos bravos,
nem os veludos
brunidos
que forravam o harém,
conseguiram prender as três enclausuradas!
- Não há violência, ou luxo, que retenha escravos!
Pode mantê-los mudos,
adormecidos,
mas quando a hora vem,
recobram os sentidos
e nem
as janelas gradeadas
os detêm!...
61. Out.º, 10