Esta obra, prefaciada por Alberto Antunes de Abreu, apresenta uma selecção de poemas que percorre um longo período, desde 1939 a 1974.
Encontramos, assim, uma evolução de tons de resistência numa polifonia que não é, contudo, suficiente para apagar os traços de continuidade de REGUENGO. * A presença do feminino, * a delicadeza e ternura com que é tratado, * o sentido do colectivo e da luta social, * o sentido visionário do poeta são algumas das linhas recorrentes.
PERGAMINHO...
Pois sou. Claro que sou!- Sou da Canalha antiga, da Canalha que feze tripulou as naus que foram ao Levante e aos Brasis e ao Mundo...
Souda Canalha que morreu nas guerras, que naufragou nos mares desconhecidos e cinzelou e ergueu Jerónimos, Batalhas e Alcobaças e semeou pinhais, ceifou searas e empapou de sangue e de suor a terra dura deste retalho que o mar beija e cospe...
Claro que soudessa Canalha anónima que fez a História - embora a História a cale, a desconheça e negue...
Sou do sangue vermelho dos Fernão Vasques e do Manuelzinhoe dos que ergueram voz e tomaram partido e morreram de pé, olhando o Sol de frente...
Claro que sou - e tenho orgulhoem sê-lo e não renego a cepa donde venho!...
Não tenho pedras de armas tenho pedras que armam a funda com que as arremesso.
Tenho as mãos ásperas - gerações com calos que se renovam, deixam sempre marca...; tenho o pescoço alto e magro e conformado para o garrote - prá coleira, nunca!...
PRESENÇA
Se tu viesses, amor,tudo seria diferente!As próprias coisas- teriam encantos que agora escondemna sua mudezcarrancuda e triste...
Havia de haver floressobre o chão duro e pedregoso.(Tu nunca viste as pedrastransformarem-se em floresquandoum sonho de amoras beija e ilumina?...)
Se tu viesses, amor,eu havia de cantarmil e umacanções que andam cá dentroà tua espera- submersasno tormento indizívelde esperar...
Vou pela longa estrada pedregosaao teu encontro(que eu não sei esperarparado...)e, à minha frentevão os meus olhosávidose ansiososa desvendarem as curvas dos caminhospor onde tu hás-de chegar um diaao meu encontro- se chegaresa chegar...
«Os Poemas da Resistência bem caracterizam as dificuldades dos intelectuais portugueses nos anos 30-40, principalmente daqueles que militavam ao lado dos mais desprotegidos (e REGUENGO, que não fazia poesia pelos livros mas pela vida, refere com acentos de dramatismo impressionante os naufrágios dos pescadores que ele pôde acompanhar), por uma sociedade mais livre e consequentemente mais justa. REGUENGO nunca se sentiu à vontade com certo primarismo e imediatismo de análise social que os detractores do neo-realismo lhe apontaram na sua primeira fase (e quantas vezes com razão). Em REGUENGO, a «arte útil» ou «poesia social» nunca deixa de ser arte e poesia, por ser útil e social. O único senão é uma tendência para o remate sentencioso (tão característico da prosa portuguesa, como diz António José SARAIVA) e para o tom didáctico-sentencioso. Em 1973, em «Dístico», Alfredo REGUENGO fazia um balanço da sua vida como homem/poeta:«voz que se ergueu/e que falou,/como sabia»; falou «sempre/ em voz alta e de maneira que todos entendessem». E, de facto, a sua linguagem é directa e facilmente descodificável. REGUENGO tinha tanta preocupação em que o código linguístico usado fosse acessível a todos, que em «Muro» afirma preferir por isso a linguagem pictórica (como se não houvesse tantos pintores que invejam aos poetas o manejo das palavras!). REGUENGO não é, como pode parecer, um poeta fácil. Foi, antes, um homem cultíssimo (como poucos conheci) que se esforçou ao máximo - e ao máximo conseguiu - por tornar a sua linguagem inteligível a toda a gente.»
Alberto Antunes de Abreu