Fernando Castro e Sousa apresenta-nos uma poesia leve e sumarenta. Leve porque a estrutura formal, métrica e estrófica, é pequena e porque as aliterações suaves do (s) ou as anáforas, dão-nos uma musicalidade agradável, "cristalina" como dirá Euclides Rios na contracapa do seu segundo livro de poesia. Sumarenta, porque de forma sucinta, sóbria e até dialogante apresenta-nos a vida, a viagem, a liberdade e a justiça através da metáfora da "água", essa superfície aquosa que aparece implícita ou explicitamente nos próprios títulos: "Riacho", "Velho Barqueiro", "À espera das marés" e Viana - Agosto e Mar".Diz-nos a contracapa do livro "Enquanto respiro" (1985)em que o poeta se intitula "homem das margens do Lima", desse modo atrevemo-nos a dizer que ele abarca as duas margens de realidades diferentes e por isso ele não esquece na margem da apaziguada vida que deseja, a gente pobre da outra margem descrita com rara sensibilidade em "Berto", "De Joelhos" ou "Bairro Clandestino"; como também não esquece de um lado, a destruição das bombas, ou os déspotas e do outro, o amor-dos-homens. A título de exemplo, leiam-se os poemas "Tempo que não passa", "Camarandu", "Sinais", "Não tarda que venhas", "Hoje" e "Estilhaços". Fernando Castro e Sousa é também um poeta do olhar e o seu gosto litoral leva-o a confessar o seu amor marítimo. Em "Miragem":"este meu gosto medieval/de ouvir cavalos a trotar pela orla da praia/enquanto os barcos partem/de velas estendidas/ruma à miragem" o sujeito poético apresenta uma belíssima imagem sinestésica de sedução e perdição, tendo como pano de fundo o trotar real dos cavalos e como horizonte o feitiço é o irreal. No seu segundo livro "Memória da água" (1990-2ª edição) a estrutura formal mantém-se assim como a frescura de uma poesia aliterante e um acentuado gosto e envolvência do sujeito poético pela paisagem líquida, consciente das suas origens, homem do litoral aquoso, onde esse elemento natural é privilegiado e serve de mote às suas deambulações físicas, psíquicas ou sociais. Fernando Cristóvão no seu texto "Uma proposta de tipologia para a Literatura de viagens" diz-nos " a tendência para o mito e a evasão sempre existiu entre os homens. e pode afirmar-se que é irmã gémea do próprio desejo de felicidade(...) porque a vida quotidiana é muitas vezes atingida pela monotonia...."(p.50). Fernando Castro e Sousa faz parte desta herança, mas sempre com os pés na terra, consciente que esse desejo de felicidade plena é uma meta inalcançável,continua de forma persistente a teimar, vejam-se os poemas ilustrativos deste pensamento: "Sem cessar", "Herança", "Secular", "Embarcamos", mesmo quando o perigo espreita como em "Velho Barqueiro", poema do primeiro livro a lembrar "Barca Bela", de Almeida Garrett, ou a dificuldade em "O meu veleiro", ou o nosso "factum" mesmo que difuso em "Origens".Sem dúvida, a viagem, metáfora da água, como sinal de aventura, liberdade e originalidade é uma das constantes deste segundo livro.Uma outra emanada da água é a paisagem aquosa e o que ela nos oferece de belo. O sujeito lírico é ainda um poeta do olhar, lembrando, por vezes, Caeiro, mas enquanto, este procura um espaço mais interiorizado e bucólico, o sujeito lírico do livro em questão é voltado para o exterior, procurando na superfície líquida o imaginário, o belo, a vida, o sonho, a liberdade, a sedução e o amor e nunca despojado de gente. Veja-se, a título de exemplo, os poemas "Os olhos sobre a água", "Procura", "Contraste", "Caminhada" e "Adoração ao Sol". A par desta aventura, desejo compensatório para a vida alienante ou infernal que se vive, o sujeito poético analisa-se e analisa-nos nos nossos atos díspares e, por vezes, vergonhosos. Assim, uma série de poemas
Na sua obra poética é frequente a utilização plural do sujeito poético como um apelo à integração do leitor para que desperte e reconheça a fragilidade humana e com essa denúncia, tome uma postura diferente. E se nessa envolvência há por vezes uma censura, um desprezo à passividade e à servidão, nos textos de sujeito poético singular há uma firmeza, um orgulho de desafio e de verticalidade.
Maria Arlette Salgado Faria
Noite de Poesia "Os Ideais de Abril" - Recanto de Cuba, 27 de Março de 2011.