Salvato Menezes de Castro Feijó  
 

 

Precisamente em 1876, quando o historiador vianês José Caldas iniciava a sua correspondência com Camilo Castelo Branco, nascia em Ponte de Lima, de uma distinta família que a Poesia havia amplamente bafejado, Salvato de Menezes de Castro Feijó.


Evoquei o autor de Os Humildes, lembrando  a sua obra Vinte Cartas de Camilo Castelo Branco, porque, nas "Duas Palavras" que a antecedem, Caldas descreve em páginas hilariantes extremamente sarcásticas e demolidoras, aquela "porta falsa dos versos" que os "mocinhos" vianeses da sua infância tentavam empurrar para penetraremno "Templo da Imortalidade".


                       (...)


Salvato Feijó teve melhor sorte. A sua geração, e bem assim a geração anterior e a seguinte, reuniram alguns poetas de bom quilate, (...)


Claro que, acima de tais musas, pairava a de António Feijó, que naturalmente influenciou algumas delas. Sobretudo, a do sobrinho Salvato.Dentro de um exemplar do Auto da Mentira, assinado por Salvareno, que adquiri num alfarrabista lisboeta, surpreendi algumas páginas de outra obra dramatúrgica do mesmo autor, A Feiticeira da Fraga, e a seguinte dedicatória do punho do escritor Júlio de Lemos, datada de 9 de Junho de 1943:


"Oferecido, sem conhecimento do A., ao eminente poeta Dr. Carlos Lemos.


"Salvareno é o pseudónimo de Salvato Feijó, sobrinho de António Feijó, e talvez maior poeta do que este  - pelo menos de maior fôlego.O lírico de Ilha dos Amores e do Sol de Inverno produziu bluettes delicadíssimas, como peregrino artista que era. Mas o Salvato (meu patrício: é de Ponte de Lima, como o tio) compõe peças de  teatro em verso (...)


E, num postal transcrito pelo poeta viseense no próprio volume, Júlio de Lemos acrescenta umas palavras mais à apresentação de Salvato:


"Tendo líricas para um livro, deixa-as dispersas pelos jornais: e muitas, ao cabo de alguns dias, nos bolsos das calças, deita-as ao rio Lima, de fronte do qual mora, devendo _ quem sabe?!... _ter ido ter ao Brasil alguns destes inéditos."


Os salvados de Salvato, essas líricas de que fala o autor de Campesinas, foram pouco a pouco agrupados pelo filho do poeta, José-Lo+po Feijó, recolhidas de antigos jornais e álbuns particulares; outros, inéditos, das gavetas das papeladas, onde os escritores vão acumulando textos mais íntimos, farrapos de inspiração.


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Poeta limiano, não podia ele deixar de cantar a paisagem álacre, "verde e quente", com "os rebentos de carvalho" e "a ervinha fresca do prado", da sua terra abençoada, e, principalmente, o rio remansado ("saudoso, todo cristal", como o definiu, para o bronze da consagração, o tio António), com as "transparências puras, de sacrário"; rio que o viu nascer e, mais tarde, até à sua morte em 1959, Salvato divisou na varanda vianesa, beijando-lhe os pés, "galgando os pinheirais da outra banda".


Talvez lhe haja lançado, na lentidão da corrente, alguns sonetos esquecidos, amarfanhados nos bolsos, já que tinha fama de distraído ("Dizem p`raí que me distraio imenso/pois cismo, ando na lua e sou...poeta").


Mas creio que, se o fez, foi por oferenda votiva, preito de homenagem às brandas águas que têm vindo, através dos séculos, a ditar o "fado limiano".


                          (...)


O poeta deixou-se ficar no êxtase desse fado.   


                                        (...)


                            Funchal de Sintra, 27 de Abril de 1991


                         ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA